terça-feira, 20 de janeiro de 2015

Investidores são prejudicados por atraso na entrega de hotéis em Belo Horizonte

Alardeada como oportunidade única de investimento, com ganhos quase imediatos, a compra de cotas de hotéis se transformou em dor de cabeça, prejuízo e batalhas judiciais para alguns investidores em Belo Horizonte. O caso mais complicado, e que já parou nos tribunais, é o do site Savassi, da construtora Paranasa e da incorporadora Maio. O terreno já foi hipotecado e especialistas do setor apontam risco de falência das empresas, que já contrataram empréstimo de R$ 80 milhões e ainda alegam faltar R$ 58 milhões para a conclusão da obra.

Recurso acatado no final de novembro pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) permitiu o bloqueio de bens da incorporadora para garantir o ressarcimento das parcelas já pagas pelo casal Alexandre e Luciana Couri e o fim da obrigação de continuar com o pagamento das demais parcelas. Os valores já pagos somam R$ 290,3 mil. O caso cria precedente para novas ações.

O site Savassi, que fica na esquina das avenidas Getúlio Vargas e Contorno, é formado por duas torres e teve quase a totalidade de seus 440 apartamentos vendidos. A entrega era prevista para 28 de fevereiro de 2014, a partir de quando os cotistas passariam a contar com os ganhos gerados pela ocupação do hotel durante o período de Copa do Mundo. Ocorre que o hotel não ficou pronto, e segundo a Justiça foi constatado “abandono do imóvel”.

A incorporadora Maio, responsável pelo empreendimento, contratou um empréstimo junto ao Banco do Brasil no valor de R$ 80 milhões e hipotecou o terreno. Mesmo após o financiamento, as obras ainda estão muito lentas. Em assembleia geral realizada em 29 de setembro de 2014, o diretor da incorporadora Maio, Jânio Valeriano, disse que ainda precisa de R$ 58 milhões para terminar a obra.

“O diretor da incorporadora admitiu em assembleia geral que desviou os R$ 80 milhões do financiamento para outras obras, alegando que isso é prática comum no setor. Ocorre que nesse caso o empréstimo feito é do condomínio e não da incorporadora. Além disso, há uma clara indisposição em solucionar a questão”, aponta o advogado especialista em Direito Tributário, Kênio Pereira. A Maio/Paranasa foi procurada, mas preferiu não se posicionar sobre o assunto.

O sócio da JR & MvS Consultores, Maarten Van Sluys, diz que o caso do site Savassi é o mais complicado, mas que conhece outros empreendimentos atrasados que geram problemas semelhantes aos cotistas, que já desembolsaram quantia considerável de dinheiro, mas ainda não viram o retorno do investimento.

“Nos bairros Luxemburgo, Betânia e Gameleira existem casos parecidos, em que já houve notificação judicial. Outro é o Golden Tulip (na avenida dos Andradas), que tinha previsão de operação antes da Copa do Mundo do Brasil”, disse.

Para especialistas, promessa de retorno foi ‘má-fé’

Na onda de lançamento de hotéis em Belo Horizonte, anabolizada pela Lei 9.952/2010, surfaram investidores ingênuos e sem conhecimento do negócio. A promessa de retorno de 1,5% ao mês foi apontada como “imoralidade” e “má-fé” por especialistas consultados, que colocam uma taxa de 0,7% como a realidade do setor. Os atrasos na entrega dos empreendimentos ainda impediram que os investidores tivessem os ganhos da ocupação dos hotéis durante a Copa do Mundo, que teve Belo Horizonte como uma das cidades-sede.

A falta de entendimento do negócio é um dos motivos de frustração do investidor nos casos em que os hotéis entraram em operação, mas o retorno está abaixo do prometido. O cotista, em muitos casos, investiu porque confiou na bandeira que faria a administração do hotel, com nome já conhecido e tradicional no mercado, mas não há garantia de que a bandeira vá continuar no negócio, explica o advogado Kênio Pereira.

“Houve em Belo Horizonte propaganda enganosa e maliciosa. Muitas vezes se acordou uma taxa (fixa) de retorno, mas ela só valeria pelos primeiros 12 meses. Outro caso é o da administração do hotel. A cota adquirida não garante que a bandeira que esta à frente da administração no início vá se manter no negócio”, disse.

O sócio da JR & MvS Consultores, Maarten Van Sluys, ainda confia que o negócio possa dar certo, mas sugere mudança no perfil do investidor. Ele observou que o “mercado de hotéis, infelizmente, nunca trabalha com uma relação equilibrada entre oferta e demanda”, o que exige conhecimento do cotista.

“Se tem escassez de empreendimentos, gera-se uma onda de novos leitos, e aí acontece a saturação. Belo Horizonte acaba de passar por uma onda de novos hotéis, que aconteceria sem a nova legislação que aumentou o Coeficiente de Aproveitamento, porque havia escassez. Veio a onda, maior que o ideal em função da legislação, e agora o mercado vai demorar de cinco a sete anos para saturar novamente. Não deixou de ser um bom negócio, mas tem que ter conhecimento para investir”, afirma.

Ele lembra que a rentabilidade depende de fatores externos ao empreendimento. “O hotel, em si, não é gerador de receitas. As receitas são oriundas de agenda de eventos, aumento de voos regionais, locais para receber grandes eventos e outros. Em Belo Horizonte, houve aumento de oferta que não foi acompanhado pela demanda porque estes fatores externos que foram prometidos não se materializaram”, disse.

Multa milionária tem potencial para levar construtoras e incorporadoras à falência

Os hotéis em atraso e que se beneficiaram da lei 9.952/2010, que foi editada para dar atratividade ao setor hoteleiro, estão sujeitos a multas milionárias, que são consideradas o gatilho para a falência de construtoras e incorporadoras. As penalidades chegam a dezenas de milhões de reais e variam conforme o tamanho da obra.

A legislação estipulou que os empreendimentos deveriam ser entregues até 28 de fevereiro de 2014, com início das atividades em 30 de março do mesmo ano. O não cumprimento dos prazos acarreta multa equivalente ao Coeficiente de Aproveitamento (CA) excedente calculado com base no valor venal do imóvel.

Na região Centro-Sul, onde o CA era de 1 e foi para 4,5 em alguns casos, e considerando-se o valor venal do terreno de R$ 7 mil por metro quadrado, a multa pode ser de R$ 7 milhões para cada mil metros quadrados, segundo cálculos da JR & MvS Consultores.

Há consenso entre os advogados ouvidos de que os cotistas não têm responsabilidade sobre a multa, sendo o risco da obra assumido exclusivamente pela construtora e incorporadora. A Prefeitura de Belo Horizonte estuda propor nova lei na tentativa de minimizar os impactos de cobrança da multa.

Fonte: Jornal Hoje em Dia.

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